Houve na vida do senhor
Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na
mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal
modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro,
proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. [..]
Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica
desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana
em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as
linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas. [...] A regra do senhor
Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade
de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento
combinatório, para
encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse
feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando
assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para
obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até
mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
Neste ponto só
restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos.
Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade
mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus
“nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça
desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e
de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da
qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece
praticável.
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